25.2.10

NO LIMITE DA RAZÃO

Por Eglitz

Para o grande David Marialdi o lugar em que está agora é tudo o que sempre precisou para desenvolver o seu trabalho da forma como sempre desejou, sem entrevistas, holofotes e participações em festas e viagens, coisas, que sempre lhe deixavam nervoso e cansado.
Sempre ele vivia a reclamar para sua velha amiga e assistente Tisha Egart, que gostaria de arranjar um lugar para ficar quieto sem ser incomodado por nada, assim ele teria o sossego necessário para pintar os seus quadros que é a coisa que mais ama fazer, mesmo que isso lhe custe à privação total do mundo que o rodeia. Mas ele sabe que as pessoas sempre lhe devotaram uma grande estima, e hoje, sentem a sua falta.
Nesta casa, David tem tudo o que precisa. Material para trabalhar, e algumas pessoas que lhe auxiliam muito bem naquilo que precisa. Tisha Egart e Joshua Prates, são as únicas pessoas em quem ele confia, e também as únicas que são capazes de lhe fazer parar às vezes para dialogar. Ele gosta da companhia dos dois, pois os vê como pessoas inteligentes e educadas, e sempre estiveram a sua disposição quando precisou.
David, nunca quis saber se Joshua e Tisha são casados, mas os vê sempre juntos, discutindo, ou dialogando sobre coisas que também nunca quis saber o que eram. E nada lhe importa mesmo, a não ser o seu mundo colorido pelas tintas dos seus pincéis, os quais ele maneja tão bem, desenhando nos quadros que ele tem consciência que são verdadeiras obras de artes,e que valem uma fortuna.
Enquanto David caminha pelo imenso corredor da casa, ele escuta Joshua dizer a Tisha:
- Podemos tentar outros métodos para ver se o trouxemos de volta.
- Já deveríamos ter tentado doutor. Às vezes penso que talvez seja até impossível disso acontecer.
- Não desista agora Tisha. Não depois de termos caminhado tão longe.
Joshua e Tisha surpreendem-se quando a porta é empurrada por David e por um momento os dois conseguem ver que ele fica intrigado com as lágrimas que escorrem pelo rosto de Tisha, mas não diz nada, e sai em direção ao atelier.
Joshua e Tisha acham que talvez seja a hora de começar a tentar outras maneiras de fazer David participar mais da vida dos dois e vão atrás dele.
- David, David... Precisamos conversar. – Soa a voz de Joshua pelo corredor.
- E sobre o que precisamos conversar Joshua? – Pergunta David.
- Sobre mim, sobre a Tisha, sobre a forma que nos olhou quando nos encontrou na sala...
- Bem, peço desculpas se invadi a privacidade de vocês e ...
- Não David... Você não tem que pedir desculpas . Não há privacidade aqui a ser velada por ninguém e você tem...
Joshua interrompe o que Tisha iria completar.
- O que estamos querendo dizer David, é que gostaríamos que participasse mais de tudo o que se passa por aqui, entende?...
Tisha aproxima-se de David e lhe fala docilmente.
- Sim David. Gostaríamos que não nos excluísse do seu mundo, e também gostaríamos que procurasse saber o que se passa no nosso.
- E o que posso fazer?
Era tudo o que Joshua queria ouvir. David deixou abrir a porta para eles adentrarem no seu mundo. Agora apenas alguns passos separam o grande momento que David estará no limite da razão e da loucura.
Sim, vocês já devem ter percebido que David é louco, e que vive preso ensimesmado no seu mundo, onde acredita ser um grande pintor que se retirou do mundo que só lhe estressava, para viver a vida que sempre pediu a Deus, e que julga tê-la recebido por merecimento.
David não é famoso, e seu nome verdadeiro é Antonio e não é conhecido por ninguém, a não ser pelo Dr. Nereu médico psiquiatra, o qual ele chama de Joshua, e por Lucila (a mulher com qual quase se casou um dia) e ele chama de Tisha. Os seus quadros não são nem uma obra de arte e sim, apenas rabiscos indefiníveis.
Tisha e Joshua são personagens criados por Antonio, e que vivem presos em seu mundo, e que uma hora terão que desaparecer junto com David, para que Nereu, Lucila e Antonio reapareçam.
E como isso vai acontecer? Não será um trabalho muito fácil para o Doutor Nereu. Eles correm o risco de Antonio não querer retornar mais depois que souber que esteve louco por tanto tempo.
Essa história soa estranha para você? Pois olhe, existem muitas outras parecidas com essa por aí, acontecendo bem na frente dos nossos olhos, e a gente nem percebe, ou fingimos não perceber.
Às vezes nós mesmos que achamos que somos os certinhos e que estamos muito aquém do limite que separa a loucura da razão, nos deparamos criando personagens nas pessoas amigas e conhecidas no nosso dia-a-dia.
Quantas vezes pensamos que aquela pessoa, nossa melhor amiga, estava sendo a nossa pior inimiga? Quantas vezes pensamos e ficamos dias, semanas, meses e anos remoendo magoas por que aquele parente, pai, mãe, irmão, etc. havia se tornado para nós um personagem não mais bem visto?
Vocês já devem ter lido ou visto sobre aquele marido que fez verdadeiras loucuras de amor por aquela mulher, e que depois de três anos de convivência com ela descobriu que havia se tornado em seu inimigo, digno de conviver em um presídio junto com marginais da pior espécie, por não ter dinheiro para pagar a pensão da filha?
“Se seus olhos forem bons, todo o teu corpo será bom”
Tudo vai depender de como enxergamos as coisas, como as percebemos com os nossos sentidos.
Qualquer semelhança é mera coincidência.

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