2.3.07

UM PESADELO NAS FÉRIAS



Eglitz


A menina Tassiana, com dezesseis anos está transbordando de felicidade. Ela está arrumando a sua mala, vai passar as férias no sitio dos seus avós materno. Tassiana viveu ali os seus primeiros sete anos de vida.
Enquanto ela arruma a mala, as lembranças daquele tempo lhe vêm à mente.
As primeiras imagens são as dela mesma. Uma menininha de cabelos encaracolados, de vestidinho rosa com bolinhas pretas; que corria livremente pelos gramados; subindo em árvores e assustando pássaros.
Tassiana era parceira inseparável de Vinícius, seu amiguinho, ao qual chamava de Vini.
Só em pensar, que ela iria reencontrar o Vini, lhe deixava felicíssima. “Agora ele deve estar lindo”, pensou. E isso fazia o seu coração acelerar. Ela estava decidida: iria fazer amor pela primeira vez na vida, com o Vini.
Mas uma coisa Tassiana não gostava no Vini do passado: ele não sabia ficar quieto ao seu lado. O prazer dele era a ver correr para lhe alcançar, e depois rolarem pelo gramado.
Passavam o dia correndo pelo gramado, subindo em árvores e andando pelas areias do riacho que passava nos fundos do sitio.
Às vezes, ela e o Vini brigavam, mas as suas brigas nunca foram muito sérias, porque sempre no outro dia já estavam grudados novamente, como se nada tivesse acontecido.
Tassiana lembrou que um dia, havia ficado chateada com o Vini, porque ele não prestou atenção nela. Havia se produzido toda; até colocou uma flor no cabelo; esperando que ele a notasse, e falasse que ela estava bonita. Mas o Vini não disse nada do que ela queria ouvir; e ainda acabou roubando a sua flor, para que ela saísse correndo atrás dele. Mas ela ficou emburrada e foi para dentro de casa, e não falou mais com ele aquele dia. No outro dia já nem lembrava mais do que havia acontecido.
Tassiana não fazia idéia do que iria acontecer agora, mas de uma coisa ela tinha certeza: estava radiante!
Quando ela se deu conta, já estava no ônibus de volta ao interior; e a cada hora que passava, ela sentia-se mais feliz.

******


O sol começa despontar atrás dos montes. Ao ver a cidadezinha toda iluminada, as pessoas que vão chegando, deslumbram-se com o visual.
Um dos ônibus traz Tassiana; que simplesmente fica tomada de êxtase ao ver de longe a beleza da cidade.
A viagem foi longa, mas Tassiana não se sentia cansada, pois havia dormido no ônibus. O seu avô já estava lhe esperando na rodoviária. Ela lembrava com saudades quando era convidada por ele a andar em sua charrete.
Quando ela viu ali a velha charrete, não resistiu. Os seus olhos encheram-se de lágrimas; correu ao encontro do seu avô, e o abraçou com força. Ficou por algum tempo assim, como que para matar a saudade de tantos anos. Em seguida já estavam na estrada de volta ao sitio.
A sua avó os esperava inquieta em baixo dos arvoredos. Quando o avô de Tassiana parou a charrete ela saltou, e correu para os braços de sua avó. Abraçadas, elas choram por algum tempo; depois, enxugando as lágrimas, foram conversando para dentro da casa.
Tassiana elogiou a beleza da sua avó, e, piscou um olho para o seu avô; querendo que ele confirmasse o que ela havia dito. Ele deu um sorriso, e fez um leve movimento com a cabeça; num gesto afirmativo.
Tassiana quis saber de Vinícius, e estranhou, por ele não estar lhe esperando. A sua avó lhe conta que ele foi ao velório de um tio com o seu pai. A avó de Tassiana percebe uma leve frustração em seu semblante; e acariciando a sua cabeça, diz: “não fique chateada filha, vocês terão muito tempo para ficarem juntos”.
Tassiana tentou não dar muita importância para o pequeno transtorno. Só o fato de estar pisando novamente naquele chão que lhe vira nascer e crescer, já lhe deixava feliz. Nada podia estragar esse momento. O que ela mais queria agora era desvencilhar-se de sua calça jeans; e colocar o vestido que mandara fazer; parecido com aquele que usava, quando criança.
O avô de Tassiana trouxe a sua mala para o quarto. Ela ficou parada, olhando ao redor. Havia uma cama, agora, para seu tamanho é claro, mas Tassiana ainda encontrou ali muita coisa que havia deixado quando partiu com a sua mãe. Alguns ursinhos de pelúcia, caixinha de música, e adivinhem! O vestidinho de bolinhas, bem dobradinho em uma gaveta. Ela quase não podia acreditar que a sua avó o havia guardado. É claro que agora não lhe servia mais.
Quando segurou o velho vestidinho na mão novamente, o filme da sua infância tornou a repetir-se. E a lembrança mais vívida era: ela e o Vini; nos arvoredos... Nos gramados... No riacho. Mas a voz de sua avó trouxe-lhe de volta a realidade, dizendo-lhe que iria retornar a cozinha, para terminar o almoço.

******
Já com vestido e pés descalços, Tassiana desliza pelo gramado, como que ao som de uma melodia. Com seus cabelos soltos ao vento, ela flutuava de tanta alegria, respirando aquele ar puro.
Depois de andar pelo gramado, foi matar a saudade das areias fresquinhas do riacho... Ali estavam elas; tudo ali parecia igual como deixara. Tudo era igual, só ela havia mudado. O seu corpo, a sua mente. Ela agora não é mais aquela menininha. Já é capaz de decidir o seu futuro, aliás, já havia decidido o seu futuro sexual. Iria entregar-se ao Vini, e com certeza casaria com ele, “nada poderá impedir”, pensou.
Tassiana foi despertada abruptamente das suas reflexões, por estalos que vinham do meio dos arbustos. Parou... Virou-se para olhar... Não havia ninguém. Quando se propôs a continuar a caminhada pela areia, um calafrio percorreu o seu corpo todo.
Em sua frente, um homem enorme, barba por fazer, cabelos desgrenhados; roupas sujas; e um cheiro fétido, exalava do seu corpo; os olhos brilhavam feitos tochas, e nos lábios, um sorriso diabólico.
Tassiana jamais pensou que haveria de ter tanto medo de um homem; mas alguma coisa dentro dela, dizia-lhe, bem alto e claro, que estava correndo perigo. Pensou em correr, mas o local não lhe permitia fazer isso. Ele deu uma gargalhada, talvez por notar que ela estava tremendo.

******

“Nem pense em correr ou gritar, que vai ser pior”. Ao dizer isso, o homem investiu contra ela como uma fera que caça a sua presa.
Com um empurrão ele a joga ao chão. Com o impacto ela caiu com as pernas semi-abertas, e o seu vestido subiu um pouco, deixando as suas coxas a mostra.
Bem que Tassiana tentou, mas não conseguiu se recompor instantaneamente perante aquele estranho. Ela fitou o seu rosto, e percebeu que ele a olhava extasiado, e os seus olhos brilhavam ainda mais.
Uma de suas mãos desceu até o pescoço de Tassiana, enquanto a outra, num só puxão arrebentava a sua calcinha que foi jogada para longe, e desceu lentamente pelas águas do riacho.
Agora ela estava ali, a mercê de um ser estúpido e brutal, que não tinha escrúpulos nem pudor de machucar alguém tão indefesa.
Tassiana estava sendo estuprada por um maníaco, jamais imaginara que isso pudesse lhe acontecer.
Tantos planos, tantas fantasias para sua primeira vez com o Vini, e agora: tudo isso desfeito.
Tassiana sentia o cheiro horripilante daquele homem, que esmagava o seu corpo como se fosse um bloco de rocha fria. Aliás, ela pensou: “ele não é um homem, e sim um animal”.
Com um gemido estridente ele assinalou o momento em que penetrou em seu corpo.
Como que com uma lança de aço, ele rasgou as suas entranhas; e as lágrimas que escorriam silenciosamente pelo rosto de Tassiana, denunciavam a sua dor.
O seu frágil corpo sendo embalado com sofreguidão lancinante, quase que era enterrado na areia.
Neste embalo infernal, Tassiana tem a sensação de escutar uma voz dentro de si; condenando-lhe, criticando, e questionando todas as suas crenças e perspectivas na vida.
É uma voz suave, e ao mesmo tempo forte, que ecoa em sua cabeça.
Quanta frustração Tassiana está experimentando agora. Tão bonita, e tão preparada para receber o homem da sua vida, e veja o que está acontecendo. Com certeza, isso não é o amor que ela imaginava, e sim, o maior suplício de sua vida.
Que tipo de aprendizado ela poderia Ter dessa situação?
Parece que a voz lhe respondia: “que as pessoas aprendem muito mais com a dor, do que com o prazer”.
A voz crescia cada vez mais, e parecia que Tassiana saiu flutuando do seu corpo para um outro lugar; e nesse lugar, ela tem a sensação que está mais segura, já não sente mais o seu corpo, só escuta a voz agora que lhe diz:
“A dor costuma ensinar os orgulhosos, e até mesmo, os mais humildes aprendem mais com ela... o prazer é efêmero; ele se volatiliza muito depressa; e o que se vive hoje pelo prazer, talvez amanhã, já nem se lembre mais... A dor não. Tudo o que você aprende com ela, nunca mais esquece. Jamais se aprende a perdoar pelo prazer, e sim somente pela dor... O perdão é o mais precioso Dom que alguém pode aprender usar... A dor esmiúça o mais duro dos egos, e permanece bem viva e consciente por muito tempo. Só o perdão é capaz de curar as feridas deixadas pela dor... Nem a morte poderá cicatrizar as feridas deixadas pela dor. Só o perdão... Só o perdão... Só o perdão...”.


A frase, “só o perdão”, repetia-se lentamente em sua cabeça; e depois, foi sumindo, e parecia que a luz e as suas forças lhe abandonavam e então, Tassiana perdeu os sentidos.
Quando a sua consciência retornou, ela estava sozinha. Aquele homem já não estava mais em cima dela. Com certeza pensou que ela havia morrido, e fugiu como um covarde que foi.
Por um momento Tassiana não sentiu a suas pernas. Mas lentamente foi recobrando as suas forças e então pode levantar-se. O sangue jorrava de dentro dela.
Com muito esforço ela conseguiu chegar até a casa. Os seus avós ainda estavam dormindo, como sempre faziam todos os dias depois do almoço.”Ainda bem” ela pensou, pois não queria os assustar.

******

Decidida a não contar nada do que havia acontecido a seus avós, Tassiana procurou agir normalmente, tentando não despertar suspeita alguma.
Foi difícil esconder a dor que estava sentindo em seu corpo e na sua alma. E a dor da alma era bem maior.
A revolta, a tristeza e o ódio que ela sentia por aquele homem que havia dilacerado o seu corpo eram tão intensos, que Tassiana não pensava em outra coisa se não a vingança.
A voz que ela havia escutado no momento do estupro, ainda ecoava em sua cabeça. O seu desejo de vingança ia de encontro ao que a voz lhe dizia. Ela repetia mil vezes: “ele deve morrer”, e a voz refutava dizendo-lhe: “Só o perdão... Só o perdão”.

******

A avó de Tassiana chamou-a para tomar o café da manhã. Quando chegou a mesa, percebeu que ela e seu avô conversavam alguma coisa que lhe chamou atenção.

- Desculpe-me vovó, mas escutei alguma coisa sobre assassinato?
- É um boato filha, que seu avô escutou na vizinhança. O filho do Sr. Gustavo matou a mulher e o filho, e estava preso; dizem que fugiu da prisão e anda pelos arredores, mas eu acho que é só um boato mesmo.

Mas o avô de Tassiana retrucou.

- Não sei não minha velha. Hoje em dia tudo é possível. E se esse rapaz fugiu mesmo da cadeia, pode esperar mais tragédias; pois ele jurou que mataria os sogros. É uma pessoa medonha. Se ele fugiu mesmo, vai cumprir o que prometeu.
Tassiana não precisava especular mais nada. Com certeza, foi essa fera que ela havia enfrentado.
Enquanto os pensamentos fervilhavam em sua cabeça, escutaram as sirenes da policia e ambulância, que passavam na estrada perto do sítio. Quando isso acontecia no interior, é porque alguma coisa grave havia acontecido.
A curiosidade era tanta, que os três não conseguiam sair da janela; e então avistaram os carros indo em direção a casa dos sogros do filho do sr Gustavo. O avô de Tassiana a convidou para irem até lá para verem o que aconteceu.
Quando chegaram ao local, depararam-se com uma sena terrível. Os dois velhos estavam mortos e degolados.
O tumulto era tanto, que a policia estava colocando ordem, e proibindo que as pessoas se aglomerassem.
A policia interrogava varias pessoas. Queriam saber se alguém havia visto algum suspeito. Mas as respostas eram todas iguais: ninguém havia visto nada, mas todos eram unânimes em afirmar, que possivelmente era o genro que tinha feito aquilo.
A policia ia fazer buscas em toda a região, mas Tassiana pensou consigo mesma: “a policia do interior, quase sempre está despreparada, com certeza isso não vai dar em nada”.
Tassiana começou a pensar que aquele lugar não era mais seguro para ela. Decidiu que voltaria para a capital no outro dia.
Voltaria se não acontecesse alguma coisa que a fizesse mudar de idéia. O seu avô avisou-lhe que precisava voltar para casa, pois tinha que trabalhar em sua forrageira.
Tassiana ficou por ali ainda algum tempo, e então resolveu voltar também. Quando ela retornava em direção a casa dos seus avós, uma vós lhe chamou lá em cima.
Quando se virou para traz, para ver quem lhe chamava, quase gritou de alegria; era o Vini que vinha ao seu encontro. Mas sufocou o grito na garganta... Ficou parada, esperando aquele homem que corria em sua direção. Sim, o seu Vini havia crescido e se tornado um belo rapaz.
Tassiana pensou em correr para ele também, e lhe dar um longo abraço e beija-lo. Mas alguma coisa lhe segurou. A lembrança do medo e a tortura que ela havia passado, travaram as suas pernas.
Quantas vezes ela havia sonhado com esse reencontro, e agora ela não podia fazer nada do que tinha planejado, porque alguma coisa mais forte lhe segurava. Era a dor da sua alma.
Vinicius estendeu os braços para Tassiana, mas ela ficou imóvel, só olhando para ele. É claro que ele surpreendeu-se com a sua atitude. Qualquer homem notaria aquele gelo.
Para Vini, aquela moça linda que estava em sua frente continuava sendo a Aninha; pois era assim que ele sempre lhe chamava. Mas ela estava maravilhosa agora. A vontade que ele tinha era tomá-la nos braços, mas estava frustrado pela acolhida, que perguntou:

- Está tudo bem Aninha...? Você não está feliz por me ver?
- Oh sim! Que idéia é essa Vine?... Claro que estou feliz por te ver; é que estou um pouco surpresa, você cresceu tanto!... Quase não te reconheci.
- Pois eu te reconheceria em qualquer lugar que te encontrasse, sabe?
- Oh, Vini, não começa, ta? Não vamos brigar como quando nós éramos crianças, né?...
- Claro que não, Aninha, eu só estava brincando... Mas é verdade. Eu te reconheceria de longe só pelo teu jeito de andar... E quando eu chegasse mais perto eu teria certeza que era você, olhando nos teus olhos... Sabia que sonho contigo todas as noites?
- Desde quando você se tornou um galanteador hein?

- Quer saber mesmo?...Desde que você foi embora. Foi quando comecei a sentir saudades de você... Eu ficava imaginando, o que dizer a você quando nos reencontrássemos... Poderia ter dito tanta coisa quando estávamos juntos, mas não disse. Agora quero te falar...
- Nós éramos tão crianças, não entediamos o que se passava conosco...
- Eu sei, Aninha... Mas agora, sei bem o que quero...
- E o que você quer agora Vini?...
- Quero coisas diferentes das que eu queria quando tinha oito ou nove anos... Sabe, agora entendo muita coisa que não entendia antes...
- O que, por exemplo?
- Quando você me pedia para ficar quietinho ao teu lado, deitado na grama, olhando a lua e as estrelas, eu não sabia o quanto era importante para você. Hoje eu sei. Porque também isso é importante para mim agora... Quantas noites eu fiquei sozinho, nesse mesmo lugar, olhando as estrelas e a lua, e desejando que você estivesse aqui comigo... Mas você não estava... Então eu pedia para a lua e as estrelas não deixar você me esquecer, porque eu jamais iria esquecer você...
A voz de Vine fica embargada, e quando Tassiana olha para ele, observa que seus olhos estão molhados. Realmente ele estava abrindo o seu coração a ela.
O brilho dos olhos de Vini era diferente dos olhos daquele outro homem que a havia violentado. Os olhos de Vini brilhavam com amor, com ternura. Ele não precisava lhe dizer mais nada. Ela sabia que desejava lhe abraçar e beijar. Então para que resistir pensou. Ali mesmo abraçaram-se, e deram o seu primeiro beijo de amor.

Tassiana precisava ser forte. Ela precisava vencer aquela barreira que havia se instalado dentro dela. Decidiu por ela mesma, que aquele mal não podia lhe manter aprisionada no passado, e privar-lhe de usufruir o que a vida lhe oferecia. Prometeu a si mesma, que não contaria a ninguém o que havia lhe acontecido, mas também não deixaria de viver cada momento.
Chegaram a esquecer a tragédia que havia acontecido. Naquele instante, até aqueles momentos ruins que Tassiana tinha passado pareciam não existir. O mundo agora era só seu e do Vini.

******


A tarde estava quente, o sol brilhava forte. Tassiana e Vini sobem pelo trigal, até a uma arvore grande; e então ficam ali, conversando, e relembrando tudo o que os dois viveram quando crianças.
De onde eles estavam, avistavam lá embaixo o balneário. Lembraram também, que muitas vezes o Sr. João que cuidava do local, os deixava nadar nas piscinas. O Vini teve a idéia de irem até lá. Com certeza o Sr. João ficaria contente de rever Tassiana. Ela aceitou o convite. Aliás, estar na companhia do Vini era o que ela mais queria.
Quando chegaram o portão estava aberto. Entraram, e o Vini chamou pelo Sr. João, mas não obteve resposta. Como o lugar era enorme, ele deduziu que estivesse fazendo algum serviço nos fundos. O Vini sempre estava por ali. Até mesmo ajudava o sr João na limpeza do lugar. Com certeza ele não se importaria se eles fossem nadar um pouco.
Um minuto depois, os dois estavam nadando em uma das piscinas. O Vini só de cuecas, e Tassiana só de calcinhas.
Tassiana não estava tão à vontade como quando era uma menininha. Agora ela com os seios a mostra, e o Vini a olhando, realmente ela se sentia meio sem jeito.
O Vini aproximou-se dela, a tomou nos braços, e a beijou novamente. Novamente um turbilhão de calor e desejo os envolve, e parece que o mundo todo deixa de existir, dando lugar àquela paixão tão intensa.
De repente uma voz, soa de traz dos galpões, lhes trazendo a realidade.

- Hei rapaz!... O seu João está te chamando aqui em cima!
Os dois se assustam com aquela voz. O Vini sai rapidamente da água, e coloca as calças, e pediu que Tassiana o esperasse ali.

- Depressa rapaz, o senhor João precisa da tua ajuda!...
Tassiana tem uma péssima sensação. Quando Vini se afasta, o seu corpo sente um arrepio. Coloca o seu vestido, e segue vagarosamente atrás dele.
Ela escuta barulhos em um dos galpões. Segue com cuidado naquela direção... Ela fica estarrecida quando vê por uma das frestas, o mesmo homem que a havia violentado, apunhalando o Vini, e depois passando a faca em seu pescoço...
Tassiana não conseguia gritar e nem correr. As suas pernas começaram a tremer. Só o fato de pensar que teria que ficar sem o Vini, lhe traz um desespero imenso na alma. À vontade que tem, é de se entregar; chamar o seu algoz, e pedir que de um fim em seu sofrimento. Mas uma coisa dentro de si cresce mais que o desespero. E ela pensa que só resta uma coisa a fazer: lutar pela sua vida se quiser continuar vivendo. Mas se tiver que perder a sua vida para parar esse demônio, então ela morrerá por isso. Ela precisava pensar e agir depressa. Aquele maníaco, não iria lhe poupar agora. Com certeza a sua sede de morte não ia parar por ali. Alguém tinha que pará-lo.
Tassiana encontrou um pedaço de cano galvanizado que serviria para se proteger. Ficou posicionada na saída da porta. Tinha que agir rápido.
Quando ela notou que a porta estava abrindo, reuniu todas as suas forças e se lançou como uma fera contra o crápula. Deu-lhe uma pancada na nuca, que o deixou meio atordoado. Enquanto ele tentava organizar os pensamentos, recebe outra pancada, e mais outra, e mais... Tassiana está transtornada, e desfere golpes e mais golpes, e quase nem percebe que ele já está desmaiado aos seus pés.
A sua vontade é de cortar o seu pescoço, mas não quer carregar essa mancha em sua alma. Então o amarra bem, que até a própria policia teria dificuldade para lhe soltar.
O coração de Tassiana está dilacerado pela perda do seu amado. Ela caminha como autômato em direção a um telefone público, e comunica a policia sem identificar-se; e foge para a casa dos seus avós.
No outro dia enquanto retorna a capital, Tassiana ouve no radio do ônibus, uma música que diz: “os bons morrem jovens...” Ela lembra do Vini. E sabe que não conseguiria ficar nem mais um minuto ali. O seu sonho havia virado pesadelo. Acabaram os sonhos daquela menina que tinha vindo com tantos planos. Ela leva de volta, um coração inchado pela dor da perda.

Infelizmente, nem sempre as histórias têm um final feliz.

FIM

1.3.07

RO MARAVILHA - ESTRELA CADENTE



Eglitz


Gustavo senta-se todas as tardes na sacada do seu apartamento para ler o jornal, e observar as crianças que jogam futebol em um gramado em frente. Ele fica horas sem se cansar, só olhando os movimentos e escutando a algazarra que elas fazem. De vez em quando surge alguma briguinha, algum palavrão, mas nada que não se resolva de imediato e faça com que o jogo continue.

O que Gustavo observa ainda, é que não existe distinção de cor, e nem de sexo entre aquelas crianças. Às vezes os meninos chegam primeiro, e depois as meninas. Mas quando elas chegam, já entram no jogo também, e a brincadeira fica mais bonita.

Entre as meninas, existe uma que é o xodó de todos. Essa menina é Rosa, tão bonita quanto à própria flor que lhe empresta o nome. Qualquer um que estivesse jogando seria capaz de sair do jogo, só para Rosa entrar. Tem uns treze anos, mas aparenta ter mais. Bastante bonita, é uma atração no lugar.

Gustavo já acompanha por uns cinco anos o desenvolvimento dessa menina, que além das brincadeiras com os outros, também é um show em canto e dança. Tem o seu lugar garantido nos aniversários das outras crianças, e até mesmo em aniversários de adultos ela é convidada para cantar. Ela ganhou um apelido que faz jus ao que ela realmente é: "RO MARAVILHA".

Todos gostam de Ro maravilha, mas ela não é de todos que gosta. Aparenta ser fria com qualquer um que se aproxime depois das apresentações. Alguns arriscam chamá-la de nariz empinado. Outros a defendem fingindo não observar esse detalhe.

Ro não conheceu o seu pai. Vive com a sua mãe que sabe que a filha gostaria de ser alguém na vida, mas não tem um mísero centavo para investir nela, pois o que ganha como faxineira dá mal apenas para comer.

Por diversas vezes repete-se a mesma cena. Ro chega suada do campinho e entra no pequeno casebre alugado, e a sua mãe quase sempre está dando os últimos arremates nas roupas que lava e costura para a vizinhança, com isso, conseguindo mais uns trocados para ajudar nas despesas.

Depois de tomar um banho, Ro recebe a tarefa de entregar a roupa na casa da vizinha.

E assim passam-se mais três anos, e Ro agora com dezesseis já é uma bela moça admirada e desejada pelos rapazes, e agora também odiada por algumas mulheres que têm ciúmes dela com seus maridos. As más línguas que existem em todos os lugares, insistem em afirmar que ela tem caso com alguns homens comprometidos. Mas nada se sabe de concreto, tudo podia ser boato.

Por uma manobra do destino Ro acaba ficando órfã de sua mãe. Agora sozinha, ela lembra que só uma pessoa poderá lhe amparar de verdade. Alguém que ela fez de amigo já algum tempo, quando das suas idas e vindas da casa das freguesas da sua mãe, e, sempre parava para conversar, e que sempre lhe incentivava a continuar cantando.

Agora que ela está sozinha na vida, pede socorro ao amigo.

Gustavo jamais negaria ajuda a essa menina que ele viu crescer, e que agora está uma bela moça. Sempre quis ajudá-la a desenvolver-se em sua carreira. Mas tinha medo de que pensassem que ele quisesse se aproveitar dela, por isso ficava quieto. Agora, como ela mesma o procurou pedindo ajuda, ele pode fazer tudo o que sempre quis fazer por ela.

Agora que Gustavo está todo o dia bem próximo de Ro, ele tem certeza que ela não nasceu para ser uma pessoa medíocre. Ela nasceu para brilhar. Ela é realmente uma estrela - ele pensa.

Ele investe tudo o que pode na carreira daquela moça. Logo ela é a cantora mais conhecida no estado, e nacionalmente. Passa a estar em primeiro lugar nas paradas de sucesso. Todos conhecem agora quem é: RO MARAVILHA! O seu show é o mais requisitado e o mais bem pago. Valeu a confiança e o esforço de Gustavo em Ro. Agora ele é um empresário de sucesso, aliado a essa estrela.

O tempo era tão curto para Gustavo e Ro que eles mal podiam conversar outra coisa a não ser sobre os shows que ela precisava fazer. Enquanto Ro descansava, Gustavo corria daqui para li, e ficava a maior parte do tempo no telefone tratando dos contratos.

Mas em uma tarde de sexta feira enquanto Gustavo acerta os últimos preparativos para o show de sábado, acontece algo fora do comum.

Pela primeira vez desde que Ro veio morar com ele, conseguem passar uma tarde inteira juntos.

Ro ainda não havia tido tempo de agradecer o que Gustavo tinha feito em sua vida. Tudo o que ela era nesse momento, tinha consciência que devia a ele.

Pelo vidro da janela, Gustavo observa a chuva que cai mansamente lá fora... Ro chega de mansinho por trás e abraça-o... Ele surpreende-se com aquele gesto, mas se deixa levar por uma emoção que há muito tempo não sentia. Ro é uma mulher muito bonita, está sexualmente carente e Gustavo sabe, mas promete a si mesmo que não se aproveitará disso. Mas ela insiste... O beija, e vai descendo pelo seu corpo deixando-o excitado.

- Pare! Você não precisa fazer isso...
- Como não preciso?... Você não sabe o que eu estou sentindo... Eu preciso disso há muito tempo!...
- Tem certeza que é isso mesmo que você quer?
- Sim, e como quero!...Não me deixe na mão agora... Eu preciso tanto...

Gustavo deixa-se conduzir por Ro que o empurra levemente em direção ao sofá, ali mesmo na sala. Ela desabotoa a sua camisa deixando o seu peito desnudo. Depois o arranha levemente e o lambe. Logo ela o ajuda a ficar livre das calças e com toda a volúpia faz com que o seu membro ocupe todo o espaço da sua boca que o suga, fazendo que Gustavo seja conduzido a um êxtase indizível.

Enquanto a chuva cai lá fora, tornando o trânsito, as ruas e até mesmo as calçadas da cidade perigosas ao extremo, Ro e Gustavo amam-se com tamanho frenesi que esquecem o mundo lá fora.

Ro cavalga o corpo de Gustavo, soltando intensos gemidos de prazer, e assim tornando aquela tarde a mais inesquecível...

Depois de um banho e ambos nus, Ro recosta-se sobre o peito de Gustavo e permanecem assim por um instante, depois ela quebra o silêncio...

- Posso saber no que está pensando?...
- Penso no que aconteceu...
- Está arrependido?...
- Arrependido não... Mas com um pouco de receio pelo que pode vir depois...
- O que poderá vir depois de uma coisa boa dessas que sentimos?...Eu gostei, e não quero que isso acabe...

Ro vira-se para Gustavo, e o beija nos lábios suavemente. Gustavo retribui o beijo, mas lhe diz:
- Não quero que sua carreira seja prejudicada... Isso pode repercutir mal, sabia?
- Não vejo por que seria ruim... E além do mais, já não temos dinheiro suficiente para sobreviver a uma crise?

Ro sorri, olhando nos olhos de Gustavo, tentando fazer que a sua frase soe como uma piada. Depois continua a falar...

- Mas pra ti ficar mais tranqüilo, podemos manter segredo... Ninguém precisa saber né? - Ela encosta a testa na de Gustavo e depois esfregando o seu nariz no dele, insiste:
- Hein... Podemos?... Vai... Aceita?...

Gustavo não tem outra alternativa se não a de concordar com ela. Além do mais, ele no fundo nem queria discordar, pois se sentiu um dos melhores homens do mundo sendo amado por aquela mulher maravilhosa.

Os dias passam, os meses, e mais dois anos e alguns meses, e tudo parece correr as mil maravilhas.

Mas de repente algumas coisas não muito desejadas começam a acontecer. Como aquelas fases que acontecem na vida de cada um, que aparecem simplesmente para desarrumar a casa. Foi mais ou menos isso que aconteceu na vida de Gustavo e Ro.

Lauro, advogado e amigo de Gustavo envolve-se com Ro, e fica perdidamente apaixonado por ela.

Gustavo não sabe do caso dos dois. Só fica sabendo quando Lauro o chama para lhe dizer - Estou apaixonado...
- Quem diria hein... Te pegaram de jeito então?- lhe fala Gustavo sorrindo.
- Pois é cara!... O pior é que não consigo mais viver sem ela...
- Mas e daí?... Então casa!...
- É o que vou fazer – Lauro responde, concordando com o amigo.
- Maravilha!... Mas quem é a felizarda?...
- Ela não te falou ainda?...
- Ela quem?...
- A Ro...

Gustavo quase cai da cadeira com a revelação do amigo, mas não deixa transparecer. Disfarça perguntando:

- Mas quando você descobriu que estava apaixonado pela Ro?...
- Desde que sai com ela na primeira vez...
- Vocês estão saindo há muito tempo?
- Já algumas vezes... Há uns três meses talvez...
- E ela já sabe que você quer casar com ela?...
- Cara,... Ela é demais!... Claro que ela talvez não pense que eu seria capaz de fazer isso tão de pressa, mas acho que ela vai adorar!...
- Vai, é?... Então vai fundo...
- Vou pedi-la hoje em casamento... Estou dizendo a você, porque quero que você esteja presente, pois acho que ela te considera como um pai. Nada melhor que você, para ser testemunha da nossa felicidade...

Gustavo não sente raiva do amigo, mas pena. Alguma coisa lhe diz que o amigo não está bem, e que logo terá uma grande decepção. Mas não pode falar nada agora. Pois não iria adiantar nada. Ele com certeza não lhe escutaria. Por isso deixou as coisas como estavam.

Naquela noite, Lauro tem a maior decepção da sua vida. Compra flores, e coloca o seu melhor terno, e chega ao apartamento de Gustavo com a melhor e mais atraente intenção, mas infelizmente só para ele.

Com um enorme sorriso, estende as mãos com as flores para Ro. Ela retribui o sorriso, e pega as flores levando-as até a cozinha, para pô-las na água.

Quando retorna a sala, ela encontra Lauro ainda em pé, mesmo ao ouvir o convite de Gustavo para que se sente.

Lauro insiste em ficar em pé, e esboçando o mesmo sorriso com qual chegou, olhando fixamente para Ro, lhe faz o pedido:
- Eu tenho certeza que mais ou menos você já sabe por que estou aqui, não é mesmo querida?...

Ro, surpresa com a declaração de Lauro, tenta buscar uma explicação.

- Sei éh?...Quer que eu adivinhe, ou é uma brincadeira?...
- Brincadeira não meu amor... Estou aqui para lhe pedir em casamento!...
- Eu sabia!...Só podia ser uma brincadeira, né?... É armação de vocês dois só pode ser!...
- Não me põe no meio, que eu não tenho nada com isso - Responde Gustavo.
- É sério! - continua Lauro. - Quer casar comigo?...
- Eu casar... Contigo?... Ta brincando mesmo, né?...

Parece que o desespero começa a se estampar no rosto de Lauro, pois a reação de Ro, não está sendo a que ele esperava. O rosto dela começa a ficar cada vez mais sério, e dá nítida impressão que não está para brincadeira.

- Eu tenho mais o que fazer - Ela responde, virando-se para se retirar da sala. Mas a voz já embargada de Lauro faz que ela se volte novamente.


- Ro!... Desculpe se ofendi você, não era a intenção, mas realmente não estava brincando. Quero casar com você...
- E o que te faz pensar que eu queira casar com você?...
- Mas pensei que... Que... Pelo que há entre nós, você quisesse casar e...Então...Eu...
- E o que há entre nós doutor. Lauro?...Poderia me dizer?...Porque eu não estou entendendo!...
- Pelo amor de Deus, Ro!...Será que o que aconteceu e acontece entre a gente, não significa nada para você?...

Lauro agora assume uma postura mais ríspida. E a conversa descamba para uma discussão.

- E o que aconteceu entre nós?...Há, sei!... Sexo?... É isso?...Só porque fizemos sexo, já faz com que você pense que eu queira casar contigo?...Há, tenha dó!... Pensei que os homens já tinham deixado de ser uns bobocas; pelo jeito, continuam do mesmo jeito que na idade da pedra! Acham que podem tomar uma mulher pra si, só porque fazem sexo com elas. Há, há, há, doutor Lauro!...Logo o senhor que é um doutor, ainda pensa assim?...Deveria dar um exemplo de um homem moderno... Em vez disso, quer me levar logo para sua oca, e fazer de mim uma propriedade sua?...Eu saio com o senhor,... Aliás, saía! Porque de hoje em diante, esqueça!

Enquanto Gustavo cruza a perna direita sobre o joelho esquerdo, escuta a discussão com o cotovelo direito apoiado no braço do sofá, e o dedo indicador em baixo do queixo, ele observa a postura de Ro, e por um momento dá graças por não estar na pele do seu amigo Lauro. Ele nunca havia visto Ro tão brava daquele jeito. Parece que ela não queria parar com o discurso.

Por sua vez, Lauro agora já bastante ferido no seu orgulho de macho, e já tendo a certeza que está sendo rejeitado, resolve não deixar barato. Parece que o amor e o ódio são mesmo os dois lados da mesma moeda. Pois agora sabendo que não há mais chance para ele, a ataca ferozmente.

- Escuta aqui sua cadela!... Não se faz assim com um homem que...

A sua frase não se completou porque Gustavo dá um salto do sofá, e ordena:

- Por favor, Lauro, não vou permitir que você venha aqui para ofender a Ro. Não na minha presença!...Por favor, retire-se!
- Ta bom, Gustavo!... Você apóia esta vagabunda que fode com um cara, e depois o humilha sem se poder lhe dizer nada?...
- Por favor, Lauro!... Você está com a cabeça quente, não diga nada do que possa se arrepender depois!... Vá para casa, depois a gente conversa, ok?

Lauro se retira ferido na alma, e logo essa ferida se manifestaria também no seu corpo físico. Pois depois de tanto pensar em Ro, e no que aconteceu entre eles, e três dias após a discussão quando ele a viu com um outro homem, ele teve um enfarte fulminante.

Um homem com quase cinqüenta anos de idade, e que nunca havia se apaixonado, e ainda trazendo uma grave deficiência no coração, dificilmente sobreviveria a uma pressão tão forte.

Quando Ro e Gustavo retornam do enterro, fazem o trajeto de volta para casa, sem trocarem nenhuma palavra, e aguardam o elevador sem olhar um para o outro.

Quando entram em casa, Ro não agüenta e esbraveja!...

- Não me julgue uma assassina!...
- Eu disse alguma coisa a você?...
- Não precisa o teu silêncio já diz tudo!...
- Te juro que não pensei isso de você, em nenhum momento! – Gustavo confirma.
- Ta bom, você é última pessoa com quem eu quero brigar... Vou tentar descansar um pouco... Você também deveria fazer o mesmo, afinal, temos trabalho logo mais a noite, né?...

As coisas não ficaram mais como eram antes, depois da morte de Lauro. Gustavo procurava esquivar-se de fazer sexo com Ro, depois que ficou sabendo que ela saia com outros homens.

Até bem pouco tempo ele desconhecia essa faceta da vida da sua protegida. Claro que ele era bem consciente da sua posição na vida de Ro. Em nem um momento ele sonhou em ser o homem da sua vida. Mas ele esperava que pelo menos ela o achasse mais confiável, e contasse os seus casos, talvez. O máximo que ela fazia, quando uma buzina soava lá em baixo, era lhe avisar que ia sair, e que não a esperasse para o jantar. E quase sempre voltava tarde.

Gustavo agüentava calado todas as travessuras de Ro. Embora se sentisse magoado, jamais ele se revoltaria contra ela, pois sempre desejou e com certeza sempre desejaria, e faria tudo, para que ela se sentisse feliz.

Mas um dia quando retornava do escritório, uma coisa lhe deixou furioso. Viu Ro saindo com um antigo desafeto, Laganha.

Era um tipo abusado que sempre procurou levar proveito em cima de Gustavo. Os dois quando mais jovens tinham um negócio em sociedade, e Laganha com manobras injustas acabou usurpando e ficando com o negócio só para ele. Desde aquele tempo, os dois não se cruzam.

A raiva apodera-se de Gustavo. Promete para si mesmo que não permitirá que Laganha se aproveite de Ro.

Ele segue de longe o carro deles, mas os perde por alguns momentos em um cruzamento.

Ele roda por alguns quarteirões, e consegue localizar o carro de Laganha estacionado em frente a um restaurante.

Gustavo desce furioso, pronto a fazer até mesmo qualquer besteira para arrancar Ro das mãos daquele crápula.

Ele entra no restaurante e seus olhos percorrem todos os cantos a procura de Ro, mas não a encontra ali. Ele vê que Laganha se dirige ao banheiro.

Em um ímpeto de fúria, ele pega Laganha despercebido e agarrando o seu pescoço pergunta:
- Onde está a Ro, seu desgraçado?...O que você pretende fazer com ela?...
- Calma Gustavo... Se não soltar o meu pescoço, eu não vou conseguir te falar nada.
- Fale!... Fale tudo ou te arrebento agora mesmo!...
Gustavo da uma folga para Laganha, que ajeita o colarinho amassado. E com ar de deboche, e ainda tentando enraivecer ainda mais Gustavo, diz:

- Você precisa se acalmar rapaz, olha o coração hein!.. Você não lembra mais o que aconteceu com seu amigo Lauro?...
- Olha aqui seu crápula, eu não estou brincando, ouviu?...

Com o dedo em riste apontando para o rosto de Laganha, Gustavo lhe dá um ultimato:

- Se não me dizer agora onde ela está, vai se arrepender de ter nascido!...
- Calma, calma,... Ta bom!...Ta bom!...Nesse momento sabe onde ela está?...Está fodendo com um cara bem mais jovem que você, em um motel qualquer dessa cidade! E não adianta ficar bravo meu caro,... Porque agora ela está com homens de verdade, que são capazes de fazer ela vibrar com prazer de verdade, sabia?... E vou te dizer mais meu velho, pode ir se preparando! a sua vaquinha de ouro ta indo embora, ouviu?... Embora! Vai te deixar!

Uma bofetada no rosto de Laganha faz com que ele caia no chão do banheiro. Ele não tem pressa de levantar-se, pois sabe que não é páreo para aquele homem furioso.

Gustavo da meia volta, e sai transtornado rumo a seu apartamento.

Ao chegar em casa, a primeira coisa que vê, é a fotografia de Ro na parede da sala. Com um sorriso encantador, com toda a sua beleza angelical e um brilho estonteante no olhar...

A visão faz Gustavo parar e contemplar ainda mais aquela beleza. A triste realidade faz com que ele sinta uma tristeza imensa em sua alma. Ele sente-se impotente perante as circunstâncias do momento. Parece que alguma coisa lhe diz que está perdendo Ro por completo.

Ele não quer chorar, mas chora... Afinal, qual o homem que nunca chorou por uma mulher? Até mesmo Gustavo com seus cinqüenta e dois anos bem vividos, e que nunca se apaixonou de verdade por ninguém, agora deixa cair lágrimas por causa de uma mulher. Mas essa mulher é especial. É Ro, a maravilhosa. Gustavo repete baixinho - Ela é minha princesa!

Naquela noite, Ro volta mais tarde ainda. Gustavo não prega o olho nem por um segundo. Ele ouve o barulho do elevador subindo... Depois os passos dela no corredor... Ela abre a porta... Depois passa em frente a porta do quarto onde ele está. Ele finge dormir... Depois ele ouve barulhos que vem do quarto de Ro... Ele imagina o pior...

Dito e feito! Ela arruma uma mala rapidamente. Ele aperta o travesseiro com todas as suas forças... Chora novamente... Ele enxuga as lágrimas apertando o rosto contra o travesseiro, quando percebe que ela se aproxima do quarto.

Ro vem até o quarto de Gustavo. Sente-se triste porque vai deixar aquele homem que lhe ajudou tanto. Ela sabe disso, mas está completamente apaixonada por Lucas, que lhe foi apresentado por Laganha há alguns dias. Ela está fascinada por aquele homem; mas ela nem pode imaginar que é tudo uma armação para lhe roubar tudo o que tem.

Nada mais faz sentido no momento a não ser o seu amor por Lucas. Ela não chama por Gustavo, e pensa que ele está dormindo. - É melhor assim - Pensou.

Gustavo pensa em chamá-la, mas sufoca o seu pedido na garganta, e deixa que ela saia fechando a porta em seguida.

Novamente ele escuta os seus passos pelo corredor, depois o barulho do elevador descendo e em seguida, um carro se afasta e ele deduz que ele está levando Ro para sempre...

***

Nos dias que se seguiram, ele recebeu um único telefonema de Ro, lhe avisando que mandaria pegar as suas coisas.

Ro completamente dominada por Lucas, foi instruída a destituir Gustavo da administração dos negócios, colocando Laganha em seu lugar. Obviamente, ela nem se importava mais com nada, a não ser viver a sua paixão.

Ro tinha muito dinheiro e bens, que agora estavam sendo administrados por uma verdadeira quadrilha que estava legalmente instituída para lhe roubar. Ela pensando que estaria tudo como antes, nem procurava entender o que estava acontecendo.

Gustavo sentiu-se traído por Ro, pois tudo o que ela havia conseguido, era devido a sua competência. Isso não contou nada para ela, que simplesmente o tirou dos negócios.

Ele acha que não deve ficar parado no tempo só para remoer mágoas. - Se ela prefere assim, que seja feliz. Ele pensa. Gustavo só lamenta que ela não lhe dê noticias. Já faz quase um ano que ele não sabe mais nada de Ro. Ela simplesmente desapareceu da mídia. É isso que lhe preocupa.

Enquanto isso, Ro vive uma verdadeira fantasia de amor. Parece que ela retornou aos tempos de infância, quando era o centro das atenções. Ela faz um show especial quase todas as noites exclusivamente para a turma de Laganha.

Sempre com uma energia inesgotável, ela surpreende a todos a cada noite. Ela parece ganhar mais gás quando Lucas está por perto. Nesta noite, ela pergunta para um rapaz que a assiste visivelmente excitado:

- Hei você que se acha o rei da cocada preta... Se me responder sem errar, o que é o Bartolino ganha um beijo!

O rapaz, nem tem idéia do que ela está falando, e dá com os ombros, admitindo que não sabe. Ela continua incitando a todos...

- Ninguém aqui sabe o que é Bartolino?... Ninguém quer um beijinho meu?...

Lucas fica intrigado com o que Ro está dizendo, e termina com o show a levando para cama.

Já no quarto, ele arranca todas as roupas que ela usa, e a penetra, fazendo-a vibrar... Sabendo que ela gosta do jeito que ele faz, ele a excita mais ainda, e fala em seu ouvido:
- Agora você vai me dizer o que é Bartolino?...

E Ro lhe responde quase que gritando de tanto prazer:

- Você está se enlambuzando todo em cima dele, querido...

Depois de estafarem-se de tanto sexo, Ro e Lucas acabam dormindo, e acordam pela manhã com batidas na porta.

Pela força e rapidez das batidas, a pessoa demonstrava estar nervosa. Ambos acordam juntos pelo barulho. Ro cutuca Lucas e diz:

- Vai ver quem é... E por favor, pede para não virem tão cedo assim!
- Tão cedo?... Isso já passa das dez! - Lucas lhe diz, olhando para o relógio, e logo saltando da cama para ver quem era.

Ele sai do quarto do aparte hotel, atravessa a pequena saleta que dá para a porta de onde vem as batidas.

Quando abre a porta, ele dá de cara com Suzana, a sua própria mulher. Ela está furiosa com Lucas. Ele tenta acalmá-la, mas ela não o escuta e os dois discutem.

Ro escuta do quarto, e se levanta, pois, pressente algo de ruim.

- Onde está a vagabunda? - Susana berra, e se encaminha em direção ao quarto. Lucas tenta segurá-la, porém é inútil.

Ela mete as mãos na porta, e vê Ro, parada sem saber nada do que está acontecendo.

Recebe um tapa de Susana, que enraivecida de ciúmes, tem muita força, e Ro se desequilibra e cai na cama. Susana é contida agora por Lucas, mas xinga com insultos e palavrões.

- Sua vaca!...Sua cadela!...Vou te matar!
- Calma Susana... Vem comigo, vem...

Lucas consegue dominá-la e trazê-la para fora do hotel, e conversa com ela sentados os dois em um banco que fica enfrente ao mar. Ro observa-os da janela agora começando entender um pouco no que se meteu.

A quase um ano juntos, Lucas não havia lhe dito nada de que era comprometido. Mas pelo que dava para entender, aquela mulher, achava-se sua dona. Ro repetia para si mesma - Ele vai ter que me explicar isso direitinho - Enquanto olhava os dois lá em baixo.

Finalmente, Lucas retorna para o quarto e finge estar preocupado com Ro.

- Como você está meu amor? Está machucada?
- Sim, estou muito machucada, principalmente por dentro!...Pois acho que caí na maior roubada de minha vida.
- Olha, sabe... Não é o que você ta pensando, - Lucas gaguejava tentando explicar.
- Você mentiu pra mim, Lucas!... Você é comprometido com essa mulher, né?..
- Não! Você pode acreditar em mim... Eu não tenho mais nada com ela... Ela não larga do meu pé... Nos separamos há muito tempo já... Mas ela não consegue aceitar... Mas eu...
- Chega Lucas!... Não quero esse rolo na minha vida... Lembra quando dançamos pela primeira vez?... Você me disse que sempre estava sozinho, porque não havia encontrado ninguém que te amasse de verdade, e nem você havia se apaixonado... Tudo era mentira... Acho que você é bom de mentira, né? - Ro não consegue segurar as lágrimas.

- Ro, olha,... Eu vou resolver essa situação hoje mesmo... Você pode ficar tranqüila, que isso não vai mais se repetir querida... Não vamos estragar tudo o que a gente já viveu juntos... Eu te amo, você sabe disso... Desculpe-me se não te falei de Susana. Mas não achei importante te falar de uma coisa que é página virada em minha vida... Vamos pensar em nós... Desculpa, ta...Vem cá... Eu te amo...

Ro não consegue ficar brava com aquele homem. Ele domina os seus sentimentos. Ela se deixa abraçar por ele, e logo em seguida, já está na cama sendo possuída de todas as maneiras por Lucas, que se sente o senhor do mundo, pois sabe conquistar todas as mulheres.

Logo em seguida naquele dia, Ro levanta-se, e depois de uma caminhada pela praia, ela dá um mergulho no mar. Lucas fica no hotel. Quando ela retorna, escuta alguma coisa enquanto ele fala com alguém ao telefone:
- Tem que ser hoje ouviu?... Partimos para o plano final então...

Ele desliga o telefone quando Ro entra. Mas ela nem se preocupa, pois não é de se meter, e também pensa que pode ser algum negócio sobre a sua própria carreira. Pois outro dia, ouviu Lucas e Laganha falarem em preparar uma turnê.

Pela tardinha, Lucas recebe um telefonema. E diz a Ro, que:

- Laganha quer que eu me encontre com ele agora, não vou demorar. Parece que ele tem novidades para sua carreira...
- Não demora amor... Ta?...- Ro pede a Lucas antes de largar a sua mão.
Lucas da um beijo em Ro, e logo em seguida, sai apressado.

Ro adora caminhar na praia. Sozinha, ela decide caminhar pela areia, e não se importa que a noite já esteja caindo...

Ro procura esquecer o que passou naquele dia, mas é difícil. As imagens voltam seguidamente a sua cabeça.

Ela por alguns instantes também lembra de Gustavo, que havia sido tão bom com ela. E sentiu-se envergonhada de ligar para ele, pois no fundo, já admite que fez uma traição ao amigo. Que bom seria - pensou - se pudesse estar com ele agora, com certeza eu estaria mais feliz...

Ro caminha tanto que nem se dá conta que está em um lugar ermo da praia. Um lugar onde muitas pessoas usam para se drogar, e outros para fazerem sexo também.

Rapidamente ela tenta voltar, mas, é impedida por dois homens, que a imobilizam e carregam-na até um lugar onde está Susana, a mulher de Lucas.

Para seu espanto, Lucas também está ali sentado em um carro com a porta aberta. Ele olha para Ro, e lhe diz que não pode fazer nada.

A mulher de Lucas a esbofeteia, e os dois homens rasgam a suas roupas deixando-a nua...

Logo em seguida os dois a estupram, um após o outro diante do olhar passivo de Lucas e de Susana, que ao ver a cena insinua lamber o pescoço de Lucas.

Susana aproxima-se dos três, e aponta o dedo para Ro e diz:

- Viu cadela!... Você gosta tanto de sexo, que agora vai se fartar.

Solta uma gargalhada. Volta para o carro e procura algo no porta luvas.

Ro sente-se um trapo de gente diante de tanta selvageria daqueles homens. A sua vida está acabando ali - ela pensa - enquanto ela não consegue evitar de ser manuseada e explorada no seu corpo, sente-se humilhada na sua condição de mulher. Sente-se revoltada por ter nascido. Sente raiva por ter vindo ao mundo assim como uma mulher. Não consegue entender, porque eles a odeiam tanto...Os homens se cansam, e a deixam encostada em uma parede semidestruída.

Susana aproxima-se dela com um objeto na mão. Ro não tem forças para levantar, muito menos para fugir.

Ela sente algo cortar a sua pele e carne chegando até o osso. Susana está com uma navalha na mão, e retalha o corpo de Ro, deixando os seios e o rosto totalmente desfigurados.

Ro perde os sentidos diante de tanta dor, enquanto os quatro saem em alta velocidade.

Ro, que até bem pouco tempo era uma das mais belas mulheres cobiçada, adorada por qualquer homem que a visse, agora está ali, jogada com aquilo que era mais precioso para ela: o seu rosto, totalmente destruído.

Ela não sentia mais dor, pois estava inconsciente. Todas as ramificações nervosas que conduziam o impulso até o seu cérebro haviam sido interceptadas pelo corte macabro daquela navalha, que dilacerou o seu corpo.

Ro entra em coma, acordando oito dias depois em um hospital de uma cidade próxima dali. Algumas pessoas a trouxeram depois de a encontrarem agonizando naquela praia.

Ninguém a conhecia, pois com o rosto daquela forma jamais alguém iria imaginar que ela era Ro maravilha.

Dois meses se passaram, e ela está quase recuperada dos ferimentos, mas as cicatrizes em seu rosto, não permitem que ela se mire em um espelho. Logo depois que ela voltou a consciência, procurou esconder-se de tudo e todos. Ela está sozinha naquele hospital. Mas ela não pode ficar para sempre ali. A direção do hospital, já a comunicou que logo estará de alta, e precisará sair.

Enquanto isso, Gustavo recupera-se dos prejuízos que teve, agora levando praticamente uma vida normal em seus negócios.

Pensa em Ro, e admira-se, por não ver nada dela nos jornais e revistas, e nem no radio e televisão. As últimas noticias que ouviu, já foram há alguns meses, e obviamente, foram plantadas pelo grupo de Laganha; pois deixavam claro que Ro maravilha estava indo embora do Brasil, por que havia casado e queria agora viver uma vida sossegada.

Claro, que tudo aquilo era um despiste da parte de Laganha, para evitar que as pessoas e a imprensa soubessem o que realmente aconteceu com ela.

Por diversas vezes à noite, o telefone toca, mas quando Gustavo vai atender desligam. Ele desconfia que possa ser Ro. Algo lhe diz que talvez ela esteja com medo ou vergonha de falar com ele.

Ele tem uma idéia. Compra um identificador de chamadas, e acaba descobrindo de onde estão ligando. No outro dia, ele ruma em direção a cidade vizinha, e chega ao hospital. Ele pensa - se é Ro que está hospitalizada, com certeza ninguém sabe, porque talvez esteja registrada com outro nome. Talvez seja a explicação para o sumiço dela - ele pensa.

Na recepção do hospital.

- Por favor, estou procurando alguém que talvez esteja hospitalizada aqui, como Rosa...
A atendente verifica em uma lista de pacientes, mas não encontra nem um com o nome Rosa. Ela pede que ele tente com o sobrenome da pessoa talvez. E ele diz:
- Dos Anjos Monteiro.

Novamente a atendente verifica.

- Temos aqui somente uma moça com o nome de Ângela Monteiro, será esta?... É uma paciente bem jovem, que chegou aqui muito ferida há uns dois meses e pouco, mas agora ela já está bem, e dará alta nos próximos dias.

Rapidamente a recepcionista resume a história daquela paciente a Gustavo, que na medida em que houve, não tem dúvida que se trata de Ro. Ele pede para subir até o quarto dela, e a moça o conduz até lá.

Quando ele entra, vê Ro sentada de costas para a porta. O xale que ela traz aos ombros é puxado até a cabeça, e esconde o seu rosto imediatamente ao ouvir a voz de Gustavo.

- Ro!...Posso entrar?...
Ela balança a cabeça afirmativamente, mas sem olhar para ele... Gustavo se aproxima dela, e a abraça notando então que ela chora... Ele não deixa transparecer a surpresa que tem ao contemplar o seu rosto daquele jeito...

Gustavo está feliz por reencontrá-la. Ele a abraça, apertando-a contra si, e não consegue evitar que as lágrimas desçam dos seus olhos.

- Que bom que te encontrei...
- Me perdoa?...
- Você não me fez nada querida...
- Fiz sim... E olha só o que aconteceu comigo... Você tem que dizer que me perdoa, pelo amor de Deus...

Gustavo vê o desespero de Ro... Ele a afaga e diz:

- Sim, eu te perdôo... Vamos para casa?

Gustavo assume todas as despesas que Ro tinha com o Hospital, e ambos saem pelos fundos para não serem vistos por ninguém. Com um lenço sobre a cabeça e sempre escondendo o rosto, jamais alguém iria reconhecê-la. Gustavo entende que ela está em uma situação difícil, por isso não a critica por agir daquele jeito.

- Precisamos ir a policia e contar o que ouve – sugestiona Gustavo.
- Policia não! - Ela responde de imediato - Não quero que ninguém fique sabendo o que ouve.
- Mas o que você pretende fazer?
- Por enquanto, nada.
- Ta bom, vamos fazer o que você quer. - Responde Gustavo, mesmo sem saber direito o porque dela agir assim.

Ro está de volta ao mesmo apartamento, de onde saiu pensando em nunca mais voltar. Agora ela está convencida de que nunca deveria ter saído dali.

Os dias passam, e tudo parece virar uma rotina novamente na vida de Ro e Gustavo.

Cinco meses depois, ela ainda continua em tratamento fazendo terapia, e consultando-se periodicamente com médicos do mesmo hospital em que foi socorrida.

As dores do seu corpo já estão superadas, mas a dor que sente em sua alma por terem estragado a sua carreira e sua vida, não conseguem lhe deixar. Ainda hoje ela acorda dentro da noite em sobressaltos, por que sonha com aquele momento inesquecível.

Um dia quando ela vai pegar o carro no estacionamento, vê uma cena que faz o seu sangue ferver em suas veias. Todo o tratamento que está fazendo para que retorne ao comando da sua vida novamente, sente que vai ser em vão.

Ali em sua frente estão todas as pessoas que lhe causaram todo aquele mal.

Laganha, Lucas, Susana e os dois homens que lhe torturaram naquele dia deixam o carro no estacionamento, e ela os vê indo em direção a um restaurante em frente.

Eles não sabem que ela os observa. Claro, do jeito que Ro está agora, mesmo que eles fixassem os olhos nela, não conseguiriam reconhece-la.

A ira que sente, faz que brote naquele momento uma sede de vingança fatal. A sua mente fervilha. Naquele momento ela traça um plano para vingar-se de todos.

Nos dias que se seguiram, ela continuou observando, e viu que eles costumavam freqüentar aquele restaurante regularmente.

O seu próximo passo agora era comprar uma arma. Sempre ela escutava que não era fácil comprar uma arma. Mas mesmo sabendo disso, ela rumou a uma loja de armas.

Logo ao entrar na loja, vem um funcionário simpático lhe atender. Ela inventa uma história de que precisa de uma arma para levar para um sitio no interior.

O rapaz lhe fala de toda a burocracia para se adquirir uma arma. Ro lhe diz que é impossível para ela cumprir todo regulamento, pois precisa imediatamente da arma. Diz que pretende viajar ainda naquele dia.

Ao ouvir que ela pretendia viajar ainda naquele dia, o rapaz olha ao redor para ver se ninguém os observa, e a chama até o balcão. Fingindo anotar o preço de uma arma, escreve um endereço em um papel, e lhe entrega. No país dos jeitinhos é fácil conseguir qualquer coisa proibida. Naquele mesmo dia, Ro já estava com uma arma em suas mãos.

Quando ela retorna para casa, ela fica pensando em como fará a sua vingança. Traça todos os detalhes, para que não dê nada errado.

Nada e ninguém conseguiriam lhe impedir de ir em frente com seu plano.

O pensamento e o sentimento que lhe dominavam agora eram mais forte que qualquer coisa. Vingança, vingança, vingança, era a palavra de ordem que soava em sua mente. E esta vingança seria doce para ela. Pelo menos, era o que ela sentia no momento.

Passa mais um dia, e nesse, Ro tem que ir a mais uma consulta marcada. Gustavo nem sonha o que ela está tramando. Ele vai ao seu escritório como sempre, e Ro ainda está em casa quando ele sai.

Ela deixa uma carta para Gustavo em cima da sua cama. Pega a sua bolsa, e dá uma última olhada ao redor, como se quisesse se despedir de tudo por ali. Ela precisava agir assim - pensou - tinha que ser assim, tudo em silêncio e secretamente para nada dar errado.

Quando Gustavo retorna pela tardinha e deixa o carro na garagem observa que o carro de Ro está ali e presume que ela já tenha retornado da cidade vizinha. Mas em seguida ele fica sabendo pelo porteiro que Ro não havia saído de carro naquela tarde, e sim a pé.

Gustavo fica apreensivo, pois não era comum ela sair a pé. Ele tenta ligar para o celular de Ro, mas ouve o aparelho tocar no quarto. Ela havia deixado em casa.

Algo devia estar acontecendo. Gustavo fica cada vez mais ansioso. Liga para o consultório do médico que Ro devia ver naquela tarde, e a secretária lhe diz que ela não havia comparecido a consulta.

Agora o desespero começa a tomar conta. Ele sabe que pode estar acontecendo o pior.

Mais uma vez ele vai até o quarto de Ro, e aí sim, enxerga a carta em cima da cama.

Ele a abre e começa a ler...

“Querido Gustavo!... Sei que quando estiver lendo essa carta, o pior já deve ter acontecido. Eu sei que fiz coisas às escondidas de você, e hoje me arrependo de tê-las feito, sem pelo menos ter lhe falado. Por isso é que estou te deixando esta carta. Se eu tivesse te falado antes, talvez você tentasse me impedir de fazer o que devo e tenho que fazer. Não existe volta quando se tem certeza do que precisamos fazer. E é isso que eu sinto nesse momento. A minha alma só terá paz depois que eu me vingar de todos aqueles que destruíram a minha vida. Sei que não retornarei mais para sua companhia, que, aliás, foi a melhor que já tive em toda a minha vida... Descobri tarde de mais, que você foi a melhor pessoa que conheci. Uma vez te deixei porque estava iludida, pensando em viver uma grande paixão, que acabou destruindo tudo de bom que você havia me ajudado a construir. Perdoe-me se hoje estou te deixando novamente, só que desta vez para sempre. Não faça nada. Ninguém poderá deter o que o destino nos reserva. Adeus meu amigo... Te amo!...Assinado: Ro”

Gustavo corre velozmente com seu carro, em direção a vizinha cidade, tentando conseguir alguma pista que levasse até onde estaria Ro naquele momento. Ele sabe que ela não se conforma com o que aconteceu em sua vida, e por isso, tem certeza de que algo de muito ruim está acontecendo. Mas ele tenta desesperado pelas ruas da cidade, encontrar algo que possa lhe dizer o que possa estar acontecendo.

Enquanto isso, Ro depois de ver que as mesmas cinco pessoas que lhe causaram tanto mal, entraram no mesmo restaurante; ela observa que eles tomam seus lugares bem ao fundo. No mesmo lugar de sempre. Com certeza não querem ser incomodados. É ali que eles sempre comemoram as suas vitórias. Foi ali, que com certeza comemoraram o grande golpe que deram em Ro, conseguindo arrancar tudo dela.

Ela procura manter o controle tentando não deixar transparecer o que pretende fazer. Encaminha-se com passos firmes em direção ao bando que nem nota a sua chegada.

Eles não podiam ter escolhido um lugar melhor para morrerem. Pois ficam encurralados em um canto, e mesmo que quisessem, não conseguiriam fugir.

Eles ficam estupefatos quando descobrem que aquela mulher que está parada ali em sua frente, é aquela mesma mulher que eles pensavam que haviam matado.

Ro faz questão que todos eles vejam o seu rosto. Eles precisam saber por que irão morrer.

Ela deixa cair o xale que escondia o seu rosto. E os que olham agora para ela, põem a mão na boca de tanto espanto. Até mesmo Susana, a própria autora da barbárie assusta-se com a visão.

Laganha, o mentor intelectual do crime, é sempre aquele que se impõe em todas as ocasiões, tenta afastar Ro daquele lugar, procurando chamar um dos atendentes. Mas o que estava tentando dizer ficou no silêncio, pois recebe na testa o primeiro tiro da arma que fumega nas mãos de Ro.

O segundo tiro é no peito de Lucas que vai caindo da cadeira, ainda contemplando o olhar desesperado de Susana e dos dois comparsas que também vêem a morte se aproximando.

Um dos homens tenta se jogar contra Ro, mas é parado no ar pelo impacto da bala que o faz tombar sobre a mesa.

Quando o segundo homem levanta-se tentando repetir a façanha do primeiro, Ro o acerta no peito.

Susana tenta desesperadamente fugir, e corre em direção aos fundos, mas é perseguida por Ro.

Enquanto isso, Gustavo para o carro quando vê que a policia está desviando o trânsito de uma rua principal da cidade.

- O que está acontecendo? Porque estão desviando o trânsito? - ele pergunta ao policial.
- Não sabemos ao certo, senhor. Parece que um maluco está atirando em todo mundo em restaurante ali em frente...

Gustavo sai em disparada em direção ao dito restaurante. A sua intuição lhe diz que tem algo a ver com Ro. De longe ele já vê a movimentação em frente ao prédio. A policia tenta dispersar os curiosos.

Susana tenta correr derrubando cadeiras e mesa no seu caminho, mas ouve a voz de Ro logo atrás de si.

- Pare! Não adianta fugir...

Susana para, pois sabe que não tem escapatória. Ela vira-se lentamente.

As mãos de Ro levantam a arma e apontam-na em direção de Susana.

- Largue a arma - Ouve-se a voz dos policiais. Ela vê pelo reflexo dos vidros do balcão que está em sua frente, que vários policiais estão apontando as suas armas em sua direção, e prontos para salvar aquela mulher que havia lhe ferido. Mas ela estava ali para cumprir até o fim o que se propunha a fazer.

Susana sente um pouco de alívio, quando vê ali todos aqueles policiais e pensa por um momento que está salva.

Porém o brilho da morte nos olhos de Ro a faz estremecer novamente.

Os dedos de Ro por alguns instantes parecem fraquejar ao ouvir repetidas vezes a ordem dos policiais para que largue a arma.

Mas num hiato de segundo, a força de morte retorna, e Ro puxa o gatilho, e o corpo de Susana é projetado por cima das mesas em direção a parede.

No mesmo instante, ouve-se uma saraivada de balas, todas direcionadas ao corpo de Ro. Que por um instante apenas, pensa em resistir em pé, mas suas pernas começam a fraquejar e ela tomba no piso frio. Ela ouve ainda a voz de Gustavo.

- Por favor, não atirem!

O grito desesperado de Gustavo não surte efeito, porque os policiais não param de atirar enquanto Ro não está no chão.

Ele corre até ela, e a toma nos braços. Ro tenta balbuciar algo, mas o sangue que vem pela boca, impede que ela possa falar alguma palavra.

Gustavo só consegue repetir:

- Por quê?... Por quê?...

Um policial se aproxima e pergunta:

- O senhor conhece essa mulher?...Terá que nos acompanhar senhor... Por favor, venha conosco.

Gustavo sai com os policiais, mas não consegue parar de olhar em quanto pode enxergar o corpo de Ro estendido no piso frio. Se ele pudesse, não a deixaria ali sozinha nunca.

Ele gostaria de ficar com ela para sempre. Mas não pode.

É conduzido até a delegacia, onde conta tudo o que aconteceu a ela, e o porquê da sua atitude.

No dia seguinte a história de Ro toma conta de toda a mídia.

Depois de ter sepultado o corpo de Ro, Gustavo caminha pela noite... Enquanto caminha, ele olha a escuridão do céu, e pergunta-se: - onde estará ela agora?- E como resposta ele vê uma estrela cadente rasgar o horizonte ao longe.

Fim!